Para Paulo Mascena
Estavamos numa rua da cidade. Esta cidade sempre tem uma
bruma leve. Esta cidade sempre tem uma poesia contida nela. De seu pescoço, caiam
filetes coloridos. Contas coloridas que você ia repassando levemente, como a
buscar algum apoio... Pedi pra ficar ali e você depois de consultar uma de suas
contas coloridas disse que eu podia me sentar e olhar as varandas daquela
cidade. Imediatamente começou a falar de sua filha e de seu neto, que estavam
além mar. Em Pequim, talvez! Em Java,
talvez!... Fez-me ver o olhar triste de
sua filha, a carregar no colo o filho pequeno numa proteção maternal. Disse que
estava triste porque a cultura de “lá” não permitia que sua filha fosse aos
festejos populares... Não pude dizer nada, porque você me ofereceu uma bala de
mel e entendi que era em troca de algum silêncio. Nem sei como, começamos a
falar de um projeto de teatro e você disse que queria fazer este projeto comigo
(lembrei no outro dia, que há alguns
anos atrás estivemos envolvidos com a montagem de “A Tempestade” de Shakespeare,
onde iríamos ousadamente apresentar no lago da praça). Falei então que meu
projeto atual era sobre a vida de Santo Antonio (com certo receio de você achar
desinteressante) e você então disse que queria muito.
As crianças corriam pelas ruas
ladrilhadas da cidade. Era Alfama, talvez. O dia da espiga. Antonio, ainda muito pequeno e
ainda carregando o nome de Fernando, não conseguia alcançar os putos. Estava
ele, febril. Em uma vara de marmelo, carregava uma flamula de tecido, retalho de linho, que tremeluzia ao vento e
ele imaginava ser o escudo de sua casa. Da casa de seu pai. Parou na escadaria
da igreja pra olhar o rio, havia um brilho delirante nas aguas
do Tejo por onde deslizavam barcas de destinos incertos.
·
*“Deixa as praças, vai-se as praias;
Deixa a terra, vai-se ao
mar...”
Alguns miúdos
aproximaram das escadarias, estavam a dançar com suas fitas e cestos de ramalhetes de trigo, oliveiras e papoulas. Um deles sacudia no ar os restos de uma bicha de rabear, que ia se desfazendo
em poeira enegrecida. Antonio, então
começou a rodar numa dança suave, como a
escutar uma musica celestial e de seus ouvidos saiam fitas coloridas que subiam
aos céus, deixando em seu rastro uma sombra colorida banhada pelo sol de maio.
Alguém que estava do nosso lado,
que nenhum de nos havia reparado antes, perguntou o que eram essas fitas
coloridas que saiam do ouvido de Santo Antonio. Eu respondi que eram anjos que
haviam entrado no corpo dele pra lhe tirar uma doença. Você então disse que
queria tomar sucos coloridos, para tentarmos recriar este efeito na peça. Te
trouxeram os frascos. Você os tomou e numa transparência celestial, pude
contemplar o Arco Iris que te envolvia o
corpo.
Te contei este sonho. Você disse que foi lindo e que assim seria...
E assim será.
*Sermão aos Peixes